Graduartes 2020 [on-line]

A Galeria de Arte e Pesquisa (GAP) apresentou a exposição Graduartes 2020, em seu instagram entre 26 de agosto e 15 de outubro de 2021. Exibindo trabalhos dos formandos em licenciatura em Artes Visuais e do bacharelado em Artes Plásticas do ano letivo de 2020, a exposição evidencia a pluralidade das artes na produção de 7 estudantes que apresentam desenhos, fotografias, pinturas, performances e vídeos que refletem sobre questões potentes do contemporâneo. 

A Galeria de Arte e Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo constitui um espaço destinado a exposições e outras ações de caráter experimental e formativo no campo da arte contemporânea. De acordo com seu estatuto, apresenta pesquisas em arte (baseadas no desenvolvimento de poéticas e suas práticas), pesquisas sobre arte (baseadas em teoria e história da arte) e pesquisas no campo do ensino da arte. 

Desde o seu surgimento em 1976, a GAP sempre privilegiou e acolheu esse caráter de experimentação e aprendizagem com exposições de alunos e professores da UFES e outras instituições, além de outros artistas. Desse modo, evidencia-se que os modos de apresentação da obra de arte também a constituem. Ou seja, para além da criação da obra de arte, constrói-se processos de ensino de forma prática sobre as possibilidades de montagem e exibição.   

Relata-se que houve diversas  exposições de formandos ao longo da existência da galeria.  A primeira proposição com o título de Graduartes data de 2015, na gestão sob a coordenação do Prof. Dr. Yiftah Peled. Desde então, a exposição acontece ao final de cada ano letivo, com o objetivo de exibir trabalhos resultantes de pesquisas de Trabalho de Conclusão de Curso dos estudantes da licenciatura em Artes Visuais e do bacharelado em Artes Plásticas. Este ano, por medida de segurança e cuidado com a saúde de todos, a exposição será virtual.

A Professora Ananda Carvalho (DAV-UFES), que coordena a galeria atualmente, conta que “foi um desafio pensar a migração de uma exposição tão importante para o processo da formação para acontecer na internet”. Para tanto, foram realizadas conversas com os estudantes para identificar as especificidades de suas pesquisas teóricas e artísticas, considerando as possibilidades de comunicar os trabalhos. 

A graduanda do bacharelado em Artes Plásticas, Larissa Pereira, afirma que a Graduartes finaliza o ciclo do graduando na Universidade oferecendo a oportunidade de expor seu trabalho e refletir sobre o seu trajeto como pesquisador e artista. “Ao pensar em expor nosso trabalho acredito que vamos aprendendo a nos tornar profissionais mais práticos na solução de problemas expositivos que demandavam muito tempo durante a graduação, seja por falta de experiência ou recurso. Agora, com as exposições online tivemos facilidade no que se refere à montagem, mas um desafio maior em como tornar o conteúdo interessante para a rede social, uma questão que não seria levantada numa exposição presencial. Para mim, expor na Graduartes é o encerramento de um problema de pesquisa assim como o projeto final de TCC, que encerra um assunto mas abre um leque de questões para o futuro” - afirma a estudante.

Já, a formanda da licenciatura em Artes Visuais Josélia Andrade destaca a importância da possibilidade  dos formandos apresentarem um de seus trabalhos desenvolvidos durante a graduação. É a segunda vez que um trabalho meu será apresentado pela GAP. Expor uma vídeoperformance na Graduartes indica o final da graduação e ter o trabalho na exposição me motiva a produzir. 

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Sobre as obras:

Afonso Evo 
série 29046-100, 2019-2020 
aquarela e nanquim sobre papel

Essas obras são desenvolvidas a partir da vivência e da realidade do autor com sua comunidade em si. Tem como referência pessoas próximas, nesse caso familiares. A artista propõe colocar no papel a relação de Dona Rosa (vó) com a Gurigica, bairro que viveu desde 1944 a 2019. Narra sobre a comunidade com o ao redor de Vitória, relata uma vivência de sobrevivência em catar caranguejo no mangue da UFES, sobre ser umas das primeiras moradoras do morro do Floresta e como vê o crescimento cultural do bairro e afins.

Yurie Yaginuma
Montagem d'água, 2021 
Vídeo e fotografia 

Com as palavras que Andrei Tarkovski e Sulamita Marques Correia da Rocha deram, “montagem d'água” é uma lista em processo de planos fílmicos descritos enquanto formas e características da água. Aqui são apresentados alguns itens dessa lista, em sua forma textual e na possível ressonância em planos e sequências fílmicas.

Fazendo contato com a pesquisa do trabalho de graduação intitulado “uma tentativa de perder a minha língua: algumas experiências de filmar e escrever”, este trabalho aqui apresentado, traz a afetação mútua entre filme e escrita que a pesquisa propõe investigar. Esses vídeos que compõem a lista fazem parte de outros dois projetos: “diários de uma visita”, que recolhe imagens e textos durante a pandemia do novo coronavírus, e “i make water”, um vídeo que retoma um poema sem título da Maya Deren e ele se aproxima das imagens que tentam capturar o momento das mãos dele produzindo água.

Rafaela Stein
LUMOS
Vídeo 

Essa produção dos vídeos, Lumos I e II, lidou com muita experimentação em seu processo de construção, tanto no manuseio da câmera, explorando seus modos de registro e suas limitações, quanto na montagem, captação de ruídos e a criação destes como som. A filmagem das cenas possui um objetivo, elas foram produzidas com intuito de propor uma relação com o espectador. Esta relação proposta é construída na forma como as imagens foram editadas e ordenadas formando um percurso, um ‘caminho de imagens’, do qual o espectador é convidado a seguir. As imagens se juntam sem uma narrativa ou roteiro convencional, ou seja, não possuem uma história com início-meio-fim definidos, com personagens ou falas. Na verdade este trabalho se aproxima de uma narrativa surreal, como em um sonho, onde o observador é o personagem e os sentidos são construídos a partir das sensações propostas através das imagens e sons compostos, e das interpretações subjetivas produzidas pelo espectador.

Esse “caminho de imagens” desloca a normatividade da percepção e da narrativa convencional a partir de sua montagem. Em Lumos I a montagem foi inspirada na edição/roteiro do trabalho At Land (1944) da artista Maya Deren (1917-1961) e em Lumos II no filme Hunter (2015) do artista escocês Scott Barley, ambos trabalham uma narrativa não convencional, que está ligada a montagem e edição das cenas.”

Larissa Pereira 
my night is your canvas, 2020
Vídeo

“My night is your canvas” foi o último vídeo produzido no processo do desenvolvimento da pesquisa ‘’Acontece de estar aqui: vídeo e pintura’’. Trata-se de um desabafo sobre as mudanças no sketchbook da artista, que antes servia para desenhar e agora parece um diário com várias anotações, pensamentos e alguns rabiscos dessa artista. Existem mudanças sutis na construção do áudio, mas continua com solfejos e assobios e consta com mais pausas e alguns momentos de intensidade que são marcados pelo som de fogos de artifícios. Esse vídeo encerra com a frase “things have been changing” como um reconhecimento pessoal de mudança. A base lógica de montagem dos vídeos ainda permanece igual: as preferências estéticas recorrentes, mas cada vídeo tem sua singularidade, tem uma nova descoberta e de certa forma, um aprimoramento, seja técnico ou conceitual. 

Joselia Santos
Vomitar o branco, 2019
Videoperformance

Essa videoperformance “Vomitar o branco” trata-se primeiro de uma crítica institucional ao ensino de artes no Brasil, seja nas Universidades, em escolas e demais instituições e faz uma crítica a epistemologia eurocêntrica de material de pesquisa e debates sobre artes. Como é a recepção de performances realizadas por mulheres negras? O que acontece quando nesse trabalho está presente o corpo nu? Essa artista investiga e questiona sobre a percepção do corpo de mulheres negras na Universidade durante a graduação e as consequências da sexualização herdada do período colonial no Brasil. Quais questões podem ser levantadas e observadas por pessoas diferentes quando se depara com um vídeo de mulher negra que por 5,36 minutos insere uma fita branca na boca e em seguida retira-a repetindo o processo? Na fita lemos a frase repetidas vezes primeiro vomitar o branco. Esse gesto repetido de engolir sugere a experiência da artista durante sua formação na graduação em artes, descolonizar e sofrer novamente tentativas de colonização do conhecimento. O trabalho sugere a observação das marcas coloniais, rever artistas que são referências, rever o material epistemológico e adotar também artistas e autores não brancos. Esse trabalho alinhou-se com o processo de descolonização do corpo da artista e com o conhecimento ofertado na Universidade que ela graduou em Artes Visuais.

Fernanda Antônia da Silveira 
Donna Paúra, 2021
Videoperformance

“Donna Paúra” é o projeto desenvolvido após a defesa do Trabalho de Conclusão de Curso em Artes Visuais, Licenciatura: “O olhar das violências na arte: Estudo de caso da violência contra a mulher nas obras de Berna Reale e Cristiane Reis". Essa pesquisa foi orientada e dedicada à doutora Rosana Lúcia Paste. O conceito dessa proposta é relatar o feminicídio no Estado do Espírito Santo e no Brasil. Mulheres são as principais vítimas no Estado do Espírito Santo de violência doméstica, institucional, violência psicológica, violência verbal, violência física entre outras tipologias de violências. Sendo assim, a ideia foi gravar a videoperformance e relata uma violência contra a mulher. Vestida de preto com cabelo bagunçado representa a agressão. O batom marcado na pele denuncia o pedido de socorro. A letra X é o símbolo institucional e universal da violência contra a mulher "X". O significado do "X" é salvar uma vida agredida. O objetivo da performance é divulgar o símbolo X, caso alguma mulher seja agredida, ela pode usar o X e ser salva de uma possível agressão contra a mulher.

Álvaro Nomura
Eros, 2019-2020
Pintura sobre papel

Foi pelo acaso que surgiu um novo eu do artista, “Eros”, que passa a materializar sensações de memórias marcantes e ciclos viciosos na vida dele. Os autorretratos para o artista, não são representações nossas congeladas no bidimensional ou em qualquer outro formato, especialmente os dele são uma parcela visível de como ele se vê, como é sua imagem no mundo onde ele se encontra no momento da produção. Seu mundo de ontem era onde foi Eros, hoje ele pode não o ver mais como ele e amanhã talvez o volte a ser. Falar de autorretrato lhe remete a Bacon, não só sobre seus autorretratos, mas à forma de implementação da figura sob a obra. A famosa “vianda” que Deleuze descreve no livro sobre Bacon não difere dos autorretratos para outras pinturas que o artista produzia, eram seus corpos sem órgãos. Ele tornou-se um corpo sem órgão no momento em que imprimia sua imagem e a deformava sobre o suporte. Quando ele fala de figuras independentes, referindo até sobre seus próprios autorretratos, refere-se à sensação de Bacon com a “vianda”: o corpo materializado como figura agora é o próprio ser, não é uma representação do real, de um sonho, de uma sensação, eles têm própria estrutura, têm sua própria organicidade. Isso não impede que uma figura remeta a algo no real para quem a vê, pelo contrário, justamente essa independência é que abre a interpretação de cada um pelo devir de suas subjetividades, de suas sensações.

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