Entrevista com chama.amanda

Como você se apresenta?

chama.amanda: Eu sou comunicadora social e também sou educadora e sou artista.

Comente sobre sua trajetória

c.a: Eu acho que hoje eu posso olhar com um pouquinho mais de carinho para a minha trajetória, com um pouco mais de consciência. Eu sempre gostei muito de desenhar, de escrever, então essa era uma prática comum quando eu era mais jovem. Sempre tive um pouco desse hábito, mas por conta dos estudos, dessa cobrança do vestibular e de fazer um curso de graduação, eu acabei me distanciando dessas práticas de expressão. Quando eu estava no ensino médio, eu comecei a estudar muito para passar no vestibular e acabei me afastando um pouco. Consegui ingressar na universidade, sempre gostei muito de música, de eventos, de festas, sempre fui essa pessoa de circular nos lugares, eu tinha um blog quando era mais nova também… aí a partir dessa minha entrada na universidade eu tive um pouco mais de acesso à cultura, principalmente ao que a gente tem de produção aqui no nosso estado. Acho que a partir do momento que eu entro na universidade e eu mudo para Vitória, eu passei a ter mais acesso mesmo, a conhecer, a ouvir, a ver as intervenções urbanas e também comecei a trabalhar em alguns espaços que me permitiam estar mais próxima das manifestações culturais, e foi assim que eu comecei a me reencantar e me reenvolver. Trabalhei com fotografia por um tempo, então eu fazia apresentação e cobertura de eventos e, a medida que eu fui novamente tendo contato com os discursos que estavam sendo colocados ali, eu me permiti produzir também, voltar a desenhar, voltar a escrever e, nessa época, eu fazia parte de alguns coletivos aqui em Vitória, um deles formado só de mulheres, então isso também foi uma coisa que foi muito importante para mim, ter mulheres ao meu redor que me incentivassem a fazer, porque o que eu tinha a dizer era importante. Então comecei a me envolver com produções de intervenção urbana e depois disso eu não parei mais, fui estudando, fui entendendo o que era o discurso, a representação das imagens, a importância da gente aprender algumas coisas sobre o nosso próprio corpo, o próprio corpo, e a arte foi esse meio para mim, para que eu me conhecesse e entrasse em contato com outras pessoas, com outros discursos, enfim, é mais ou menos isso.

Conte sobre a sua história no grupo Implantação.

c.a: Eu observei o trabalho deles que eles tinham desenvolvido em regência e acompanhei online. No início de março, finalzinho de fevereiro, a Renata Apolinário entrou em contato comigo, queria me fazer um convite, fez um convite para eu participar dessa Residência Saturação. Então eu conheço o grupo Implantação, mas eu sou uma convidada, nesse caso da Saturação.

Comente um pouco sobre suas ações na Residência. 

c.a: Essa é a primeira vez que eu tenho a oportunidade de fazer uma residência dentro de uma galeria, já tive a oportunidade de fazer um outro processo de residência junto com um grupo, uma rede chamada Mulheres Urbanas, e foram processos muito diferentes. Eu não tive condições de passar todos os dias lá na Galeria como algumas pessoas que estão lá do grupo, eu tenho outros trabalhos e no meu caso é uma residência voluntária, mas a partir da proposta eu fui pensando algumas coisas e trouxe algumas questões para serem discutidas com o grupo. A proposta foi essa provocação, que foi feita muito pelo professor Didico, pela professora Rosana, no sentido de alguma forma materializar com palavras, com esse signo, todas as nossas saturações cotidianas. Eu estava com uma ideia de intervenção, já vinha estudando a respeito dela dentro do meu processo de desenvolvimento, da minha poética, que é uma frase, e eu tenho algumas frases que eu trabalho já dentro do meu desenvolvimento artístico, mas essa frase é nova e também é relacionada às minhas vivências que é: “Tem coisas que eu não quero aprender”. É uma frase que eu estou repetindo exaustivamente durante esse processo de residência. Iniciei esse processo pintando com batom. A ideia era que a gente fizesse as intervenções com tinta, porque o batom também dialoga com outros trabalhos que eu já tenho, então foi também uma forma de entrar na Galeria com essa materialidade, com essa proposta do batom, a medida que o tempo foi passando, o material também foi acabando e eu fui incorporando outros materiais nessa intervenção. Acho que tem sido uma troca muito interessante, muito rica e eu passei alguns dias lá produzindo e foi muito interessante, porque é um espaço que eu nunca tinha tido oportunidade de fazer intervenção e é um espaço grande, você se coloca naquela função, é você que está produzindo, então é uma novidade para mim ter esse discurso junto a outros artistas em evidência. Eu tenho feito alguns trabalhos com essa frase e essa frase tem me acompanhado na rua. Eu também tenho um trabalho de intervenção urbana, então o batom, as frases, também já vêm de outros processos meus de trabalho e agora estão dentro da Galeria.

Como alguém que já esteve do lado do educador, do estudante e do artista, como você enxerga esse espaço da galeria dentro da universidade, como tem transitado nele?

c.a: Eu tenho algumas questões a respeito da circulação das pessoas e do contato com a arte. Eu trabalho muito na rua, né? Então eu estou num lugar onde as pessoas já passam, as pessoas veem meu trabalho porque meu trabalho está na rua, assim como as pessoas estão circulando todos os dias e elas podem passar pelo meu trabalho e verem. Eu acho que a galeria propõe um outro espaço que também tem suas potencialidades, no entanto, acho que a gente vive também um momento de muita precarização, das nossas possibilidades, dos apoios que a gente tem para desenvolvimento desses nossos trabalhos, que tipo de diálogos são tensionados ali na Galeria, qual é o público que frequenta. A Universidade vai reabrir agora, então acredito que o fluxo de pessoas vai aumentar muito, pessoas que circulam naquele espaço talvez tenham interesse. Eu não conhecia a GAP antes de ser estudante da UFES, então eu acho que nessa parte da extensão universitária ela cumpre um papel que é muito importante, mas acho que, socialmente, a gente vive um momento de desvalorização da função e do lugar do artista na sociedade e da importância dos discursos que a gente traz, como educadora eu sinto muito isso, essa responsabilidade da construção do conhecimento. O conhecimento ele se constrói em conjunto com as pessoas, então as pessoas que circularem por aquele espaço vão ter a oportunidade de compreender um pouquinho do universo que a gente está trazendo e, a partir das atividades que a gente desenvolver, esse conhecimento pode ir se transformando a partir da nossa presença e da presença das pessoas. Acho que a galeria precisa ser um espaço vivo, ela não pode ser um espaço solitário, ela não pode ser um espaço vazio. Ela tem que ser um espaço de vivência, eu acho que os projetos de residência tem um pouco essa característica. Não é só instalar obra e preparar um educativo, existe um espaço de vivência. Então acho que com quanto mais qualidade de recursos a gente puder desenvolver esse trabalho, melhor para nós, é isso que eu penso. 

O que dessa Residência será levado com você daqui pra frente?

Eu acho que muitas coisas. Nós estamos em seis lá, como residentes, mas as pessoas estão de alguma forma acompanhando o nosso trabalho, muitos amigos passam por lá, muitas pessoas queridas trocam ideias e ainda vão passar, porque a exposição de fato ainda vai abrir e a gente vai tentar trabalhar esses outros encontros possíveis. Eu acho que essa experiência, a cada dia, vai se renovando ali dentro das pessoas que conseguem circular e cada pessoa que chega lá troca muitas ideias valiosas, então eu analiso isso de uma forma muito preciosa. É interessante a gente entender também que a gente tem uma impressão de que a gente está pensando muitas coisas diferentes, que nós estamos muito afastados e eu acho que a saturação tem me mostrado que esse retorno aos encontros é muito importante porque a gente tem muitas coisas a compartilhar e a gente está passando por momentos muito parecidos. A gente está saturado em algum aspecto da nossa vida e o quanto é importante a gente compartilhar isso para achar outros caminhos. Às vezes eu não tenho a solução, eu não vou ter a solução sozinha, nem você. Eu acho que a solução é coletiva e se a gente não tiver a capacidade de conversar, se ouvir, retornar às negociações, vai ficar um pouco difícil seguir os caminhos. Acho que o mundo está num conflito muito doido, como a gente resolve essas coisas para seguir, seguir bem, com qualidade de vida, permanecer mesmo. Fico pensando nessas coisas, nisso tudo que a saturação me provoca. 

O que você espera deixar como marca na GAP?

c.a: Eu acho que essa coisa de rabiscar as paredes tem algo da presença física do ser humano. Acho que todo mundo algum dia já pixou, em algum momento da vida, seja uma, árvore seja uma parede, seja a carteira da escola, o caderno de alguém, então eu acho que essas marcas estão não só na Galeria, mas elas estão presentes no mundo. A gente está deixando as nossas marcas no mundo. E como uma colaboração não necessariamente física, acho que são todas essas ideias que a gente está trocando. Ontem mesmo a gente estava lá conversando sobre essa preocupação do ser humano de transformar, de fazer alguma coisa física, para deixar e não ser esquecido, e a gente tem essa coisa da vida, que é infinita. A nossa matéria está sempre em transformação, então acho que nosso maior desafio ali é conseguir ser ouvido, talvez. Ser compreendido nas nossas questões e quando eu digo nós, eu digo todos nós, porque todos nós temos questões. O que eu acho que eu gostaria de deixar é essa possibilidade do diálogo. A gente passa por processos na vida muito violentos, de rupturas, de rompimentos e interrupções de atividades, práticas, e toda vez que isso acontece eu acho de uma forma muito brusca, eu acho que a gente se sente impotente de alguma forma. Eu acho que a presença, o ato de escrever, de você poder expressar a sua ideia, ele tem um pouco dessa necessidade do diálogo, tanto de falar, quanto de ser lido, de ser debatido, acho que as artes são isso. É uma forma de falar que, infelizmente, não é tão valorizada socialmente. Infelizmente, a gente não tem tanto incentivo para uma prática colaborativa, coletiva, de leitura, a gente tem poucas ferramentas, eu acho. A forma como a gente aprende a História da Arte também é um pouco complexa. A História da Arte que a gente aprende conta uma história que me parece única, uma verdade única e acho que estar em contato com as pessoas é você entender que as verdades são múltiplas, que isso é diverso e que é necessário respeitar isso também. 

Instagram: @chama.amanda

Entrevista realizada em 06/04/2022

Fotografia por Renata Apolinário 

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