Entrevista com Ronaldo Gentil

Como você se apresenta?

Ronaldo Gentil: Por hábito, eu estou acostumado a me apresentar como pixador. Agora, mais recentemente, eu estou me aventurando por esses campos da arte, tá ligado? Posso também ser artista plástico, sei lá. Mas, pelo costume, eu sou pixador mesmo.

Conte sobre sua trajetória enquanto pixador e como você tem caminhado nesses campos das artes agora.

RG: A pixação foi uma das coisas que estava presente para mim na rua, que foi chamando a atenção e surgindo. Eu sempre tive uma curiosidade de saber o que era, aí através de algumas pessoas que eu conheço, que conseguiram identificar alguns autores de grafite que eu já via na rua e que me influenciavam, tipo o Fredone e o Ren, através dessa descoberta de saber quem eram eles, e a presença, estar perto dessas pessoas, foi o que me estimulou a me botar nesse lugar. Aí a partir do tempo da prática, com os anos, isso vai se ressignificando, vai se transformando, vai criando mais motivos ou mudando os motivos para permanecer na rua pintando. Uma das coisas que tem fortalecido agora a minha permanência na rua é também o fato de eu estar fazendo arte, sacou? Dentro dessa trajetória eu encontrei mais essa minha relação com a arte, com a pintura, com produzir outros projetos além da pintura, como esculturas, instalações… Tem o lado teórico também. Então, essa busca que eu estou encontrando agora, através do movimento de arte, desse circuito de arte, está também me empolgando a reverberar meu trabalho de outras formas na rua, meu pixo de outras formas na rua. 

Há quanto tempo você pixa?

RG: Eu tenho memória de pixar desde novo, mas enfrentando a pixação dessa forma dedicada mesmo, decidida mesmo, tem pelo menos uns quinze anos. 

Com tantos anos na prática, seria interessante você compartilhar algum momento que foi muito importante para você nesses quinze anos de trabalho.

RG: Teve vários momentos, porque tudo é uma descoberta muito louca. Primeiro que, por exemplo, fazer grafite no Espírito Santo, pintar na rua, principalmente há uns anos atrás, era uma decisão que parecia coisa de maluco. Porque, por exemplo, você vai para outros estados, você tem tradições, você tem um movimento muito grande, intenso. Meio que faz sentido você estar fazendo parte de algo muito grande que existe. Aqui, existia algumas pessoas que faziam, mas isso não tinha tanta notoriedade e também era tratado como “pô, cê vai pixar, cê vai sair pintando na rua sem autorização? Isso aí tá errado e ponto”. O fato de não estar envolvido, também, com questões de valores, é fazer arte sem produzir produto. Traz consequências, traz ações, traz uma performance, pode ser uma prática de produto, uma prestação de serviços. Todos os momentos, todos esses anos vão ser especiais porque fizeram surgir muita coisa. Por exemplo, a explosão mesmo do grafite na grande Vitória foi praticamente de uma hora para outra. Muita gente fazendo e rabiscando a cidade inteira numa cidade que antes era toda sem isso, tinha pouquíssimos grafites. Eu tenho alguns anos de atividade, com muita gente fazendo, e assim que o fenômeno estourou e virou tipo a moda, a gente virou um problema de segurança pública. Todos esses anos, todos esses aprendizados, todas as pessoas que passaram por mim nessas paradas aí, foi especial. As primeiras memórias legais que eu tenho, que me deram um caminho, e mudaram a minha trajetória mesmo, acho que foi quando eu conheci o Fred e o Ren, que conseguiram me direcionar para esse universo… e também a primeira vez que eu fui preso, que eu fui pego pela polícia, teve processo, tudo isso. Eu tive que decidir se valia a pena ou não fazer essas paradas e eu decidi que valia. É isso, você se depara com uma situação meio constrangedora, esse negócio de ter que ir a juízo, ser algemado, ser colocado numa gaiolinha da viatura na frente dos seus pais, aquelas tretas todas lá. Mas no final das contas, eu vi que, para mim, fazia sentido fazer arte daquele jeito ali. Nessa trajetória toda tem vários momentos e sempre surgem surpresas, insights, descobertas, que a gente vai ressignificando e seu trampo vai se transformando e o seu motivo de estar fazendo aquilo vai se transformando. Igual eu estar aí na Galeria agora. Essa é a primeira residência artística que eu participo aqui no Espírito Santo, então isso já está me trazendo vários discursos, vários pensamentos, várias sensações de que eu tenho que corrigir algo… toda experiência é um auxílio para a construção da pessoa e acredito que pro artista também. 

Conte sobre a sua história no grupo Implantação.

RG: Esse foi um convite do Diego e da Renata. Eu, para falar a verdade, já tive alguns convites para alguns projetos aqui, mas esse é o primeiro que eu tenho para uma residência artística dentro de uma galeria. Eu conheço o Didico já tem um tempo, já tive oportunidade de fazer um debate sobre esse assunto de pintar na rua, em 2016, durante as ocupações, e já havia iniciado uns diálogos sobre isso aí. Ele tem um histórico de pesquisa em relação ao grafite, a Renata também tem uma relação com isso e coincidiu. Agora é um momento de eu estar participando de um projeto deles, finalmente chegou uma oportunidade! 

Comente um pouco sobre suas ações na Residência. 

RG: Eu já cheguei lá com um conceito clássico, que eu acho que é apresentado a todo mundo que faz pintura, que é chegar, fazer o seu trabalho separadamente dos outros e se representar através do seu trabalho. Acho que no primeiro momento a minha expectativa era essa, só que a partir de um momento, a gente viu que o processo de saturação mesmo envolvia descaracterizar o trabalho de todo mundo e criar uma coisa só, né? Uma simbiose de todos os trabalhos. Você não consegue encontrar o traço e nem a identidade dos artistas no meio daquilo ali. Então o que eu tenho feito, além de dialogar, além de aprender, com as pessoas da residência, é literalmente ocupar espaço, criar novas camadas, participar efetivamente da construção de um resultado que a gente acredita, cada um, de forma individual, ver a saturação de uma forma diferente, então é tentar construir um resultado gráfico através dessa participação, auxiliar nessa construção. Porque o que eu faço não é tão determinante e o que as pessoas estão fazendo não é também tão determinante. O que é determinante de fato, é literalmente embolar um monte de escrita, porque deixa de ser trabalho, vira escritas, mensagens, pensamentos, acaba que a gente está fazendo fragmentos dessas possibilidades de coisas que a gente tem, sei lá, às vezes em comum, às vezes não. A Amanda está escrevendo uma frase baseada num contexto que ela está aplicada, eu escrevo frases e palavras que estão aplicadas ao meu contexto, às vezes coloco só letra… mas em geral é isso: é a construção de uma possibilidade de trabalho que eu, na verdade, nunca tinha vivenciado. Não lembro de nenhuma das vezes que eu fui pintar onde eu literalmente eliminava os meus traços, o meu trabalho, a minha identidade, e desaparecia no meio daquele universo de elementos. Então o que eu acho que estou fazendo de fato é aprender e dar um pouco do que eu sei, também.  

Como você enxerga esse espaço da galeria dentro da universidade? Como tem transitado nele?

RG: Para mim é muito louco, é tudo muito novo, porque são contatos diferentes. As pautas que eu encontro na rua, algumas vezes, se parecem com o que se está falando ali dentro, mas na grande maioria das vezes são coisas bem distintas. Para mim, subversão dificilmente estaria associada a pintar uma parede autorizada, então eu tive que aprender até a rever certos conceitos que sim, uma parede autorizada para você pintar pode ser até um espaço de subversão de outras camadas de pensamento e debate, e que às vezes não é muito o debate presente na rua. É diferente. Até perceber a realidade de outros artistas, porque muitas vezes eu me coloco como não artista, como se não fizesse arte. Então para mim está sendo interessante até isso, conhecer artistas e eles poderem falar de coisas que ainda faltam para eles também, porque a impressão que a gente tem é que “ah, não tem nada para nós e tem tudo pros artistas!” e “os artistas têm várias facilidades”, ou sei lá, conhecer outros artistas de outros campos da arte e eles poderem trazer à tona uma série de problemáticas e realidades que eu não conhecia, para mim é importante também. É a questão do ser humano além do trabalho, além do pensamento teórico, além da participação na cultura e na arte. 

O que dessa Residência será levado com você daqui para frente?

RG: Influência vai ter. Eu não consigo prever exatamente o que eu posso fazer com isso, porque, o que acontece: você começa a receber uma informação, você começa a dialogar e ela te traz novas realidades. Isso, em algum momento, agora, ou daqui a dez anos, daqui cinco, sabe lá quando, isso pode acabar trazendo um resultado, reverberando numa possibilidade dentro do meu trabalho. Eu ainda não pensei o que fazer com isso porque eu ainda estou pensando. Ainda estou tentando compreender exatamente o que está sendo essa experiência, mas é fato que, todas as experiências semelhantes que eu tive, como essa de dividir um espaço com pessoas que trabalham na mesma área, só que de formas diferentes, sempre me trouxe resultados e sempre foram positivos. Por exemplo, teve uma experiência que eu tive em 2004, eu saí para pintar com a rapaziada, para pintar umas letras que a gente faz meio arredondadas e que a gente preenche, faz sombra e luz. Os caras me falaram de sombra e luz e eu perguntei como é que fazia essa sombra e luz, eu achei que isso era papo de doido. “Sombra e luz? Eu quero aprender a pintar, o que essa p*rra de sombra e luz tem a ver?”. Cinco anos depois, eu fui fazer uns testes, uma matéria com iluminação de fotografia, e eu tive que colocar um foco de luz sobre um objeto, aí naquele momento me fez retornar naquele ponto em que o pessoal falou que tinha que fazer sombra e luz e aí eu compreendi o que os caras estavam falando. Eu levei literalmente cinco anos para conseguir transformar aquela informação numa coisa possível, visível, porque parecia muito abstrato. Quando a gente pensa em pintar, de forma comum, a maioria das pessoas já pensa na forma figurativa, né? Pintar um rosto e a pessoa fazer o olho, a boca…agora, sombra e luz? Demorou mais de vinte anos para alguém me falar que para pintar precisava disso, eu não tinha contato nenhum com pintura. 

O que você espera deixar como marca na GAP?

RG: Eu imagino que, por exemplo, eu estava até falando disso hoje lá… que talvez seja uma surpresa para as pessoas que vão ter aula presencial agora, que estão iniciando o curso agora, chegar dentro de uma galeria da universidade e encontrar essa disponibilidade de fazer arte além do produto. Porque a galeria, normalmente, está associada aos trabalhos que são físicos, você faz uma tela, faz uma escultura, uma instalação, então você disponibiliza um trabalho que vai ter tempo de efemeridade, tempo de duração. Quando for a próxima exposição, eles vão ter que apagar, então eu acho que isso quebra um paradigma para quem não está, às vezes, preparado para isso, quem acha que vai chegar dentro da universidade e vai ver uma sugestão de, dentro de uma galeria, fazer uma arte que vai desaparecer. Você pintou uma parede, ao invés de fazer em uma tela, aquela coisa convencional, eu acho que sair do convencional para as pessoas que estão chegando ali agora, talvez, sem uma participação efetiva num debate mais amplo da arte, talvez seja uma surpresa, de saber que a pintura pode também performar, dessa forma assim. Então acho que, para essa galera que está chegando agora, talvez seja uma sugestão de como repensar a arte através dessa iniciação na universidade. Tem outra coisa legal que é a do nosso trabalho desaparecer ali, é nosso trabalho, mas é um conjunto. Não tem identidade de ninguém ali, não fica fácil você encontrar o que eu fiz, o que a Amanda, o que o Didico, o que a Renata, o que o Alexandre fez… Fica difícil encontrar qual é o trabalho de cada um, você tem que vasculhar bastante. Eu acho que essa sugestão é uma coisa que pode ser perpetuada, através dessas pessoas que olharem a exposição, e aquilo vai trazer um conhecimento que elas podem adquirir e ressignificar, se reconstituirem ali. É isso, tudo através da educação. 

1Fredone Fone

2Renato Ren

Entrevista realizada em 04/04/2022

Fotografia por Renata Apolinário

 

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