Concretos e Moldados
Paulo Marendino é um artista prático. Arquiteto e escultor – além de pintor - por formação, traz para a prática da pintura saberes e fazeres concretos, imersos, entranhados na realidade objetiva do mundo material. Realidade e mundo que, como sabemos, se encontram ameaçados pelas forças de atração das esferas do virtual.
O que pode a pintura hoje, quando enfrenta a nova vaga das imagens técnicas, avassaladora, a envolver a todos, seres humanos de carne e osso, tendões e músculos; sangue, suor, saliva e hormônios – materiais, portanto – programados agora pela lógica da sociedade dos aparelhos, presas fáceis de redes de imagens e textos cada vez mais independentes e desligados do real factual?
Herdeiro de uma linhagem moderna, Marendino responde com a insistência na concretude de uma prática que se concentra em seu ofício e responde diretamente a necessidades e demandas dos problemas inerentes ao processo de produção de cada série.
É assim, da relação com as coisas do mundo, do dia-a-dia, que despontam invenções poéticas, a revelar, por exemplo, na série das descolagens, que, a partir da percepção original da existência de uma dupla face de papeis em embalagens de leite, cortes precisos fazem surgir arquiteturas e geometrias imprevistas, sutis e refinadas, castelos, se quiser; torres, se vislumbradas.
Construtor, Paulo Marendino empresta de seus antigos ofícios as virtudes que são também as de sua própria personalidade, de seu modo de estar e ser no mundo: austeridade, simplicidade, sobriedade. Gentileza. Das práticas construtivas, toma emprestado ao período em que trabalhou com lages pré-moldadas o interesse por matrizes e moldes que atualizam preceitos e interesses da tradição concreta. Amassar, misturar, preencher. Por a secar, colar, descolar. Raspar. Pintar: Iberê Camargo não dizia que, dentre todos, insuperável era o pintor de paredes?
Em diálogo com o Oiticica dos relevos espaciais, nestas telas as cores preservam na prática a teoria que gera sua realidade como ocorrências pictóricas, momentos renovados de pintura: primárias ou secundárias, são cores-coisas a nos ancorar de volta numa realidade evanescente, da qual parecemos nos afastar flutuantes: há mundo, há matéria, e esta também nos constitui. Reafirmar isto: não seria o suficiente para que haja pintura?
Christopher Rauschenberg, o fotógrafo, filho de Robert, comentava que no caminho para um museu serão vistas, por vezes, coisas mais interessantes que as que se vão encontrar lá. Se a arte, como queria Heidegger, de fato ativa o desvelamento do mundo, não se impressione se, após entrar em contato com as pinturas de PM, se sentir atraído pelo magnetismo de um olhar, como que virginal, às placas táteis, de bolinhas, das calçadas que percorre todos os dias.
Concretos e moldados. Pinturas e descolagens: Paulo Marendino encontra no fluxo dos dias a matéria de sua poesia: um poeta prático.