Independência; quem troca?
A exposição/evento “Independência quem Troca?” se integrou no projeto apoiado pela FUNARTE, sob o mesmo título, com foco na arte da performance e concentra ações entre as cidades de Curitiba e Vitória.
A exposição na Galeria de Arte e Pesquisa da UFES (GAP/UFES) apresentou obras dos artistas: Marcos Martins, Vitor César, Eliane Prolik, Fernanda Magalhães, Ricardo Mauricio, Pedro Meyer, Polliana Dalla, Carla Borba, Laércio Redondo e dos coletivos Imaginário periférico e Grupo Poro.
A exposição explorou a dimensão plural da performance na arte contemporânea. A prática, explorada do ponto de vista do abandono da ideia de pureza de uma categoria de arte. Assim, a forma clássica da performance descrita por Golberg, associada a ações ao vivo realizadas com o corpo do artista desdobra-se em obras que envolvem participação, arquivo, trocas, articipação e proposições, como mediações performáticas. As poéticas de alguns dos artistas da exposição combinaram mais de uma dessas possibilidades. Ou seja, adotou-se a performance como um conceito flexível e deslizante.
O grupo Imaginário Periférico, através da obra “Rede de troca e pechinchas”, agiu através de um sistema de trocas de obras abrindo um processo de negociação performático com os interessados.
Em “Reload Magritte - troco a noite pelo dia”, Pedro Meyer incentivou a criação de um acordo entre o artista e os participantes para ocupar, durante uma noite, o espaço da mostra, enquanto Marcos Martins ativou um jogo performático dos participantes proporcionando um território instalativo que se torna sonoro quando os visitantes/performers andam sobre a obra “Pele e Corpo”. O artista ofereceu também, peças de ‘roupas sonoras’ que possibilitaram o rompimento dos limites entre os corpos dos participantes e promoveram trocas entre os mesmos, modificando assim os códigos de comportamento no espaço expositivo.
Proposições escritas permitiram outro desdobramento, presente nos trabalhos de Eliane Prolik (“Não pare sobre os olhos”) e do artista Vitor César (“Permitido”). São obras /receitas que deslocam a ação de performance através da possibilidade de participação para o visitante. Os dois trabalhos foram projetados como interferências nos fluxos urbanos, propondo uma reflexão e ação sobre os mecanismos que ordenam nossas performances sociais. No caso da Eliane Prolik na forma de uma subversão antropofágica; em Vitor César, como superação das muralhas /sociais urbanas.
Seguindo a mesma lógica de subversão de regras, a ação da artista Fernanda Magalhães (“A Natureza da Vida”) operou uma proposta de independência do espaço expositivo que se realizou no Parque Moscoso, no centro da cidade de Vitória. A artista instrumentalizou seu corpo nu como uma declaração de sua independência sobre as regras impostos em relação ao corpo.
Outra forma de ativação, pautada em poéticas que desdobraram a performance através de arquivo, foi a da artista Carla Borba, que em seu projeto “Álbum de Família”, pediu a amigos que escolhessem fotografias feitas durante suas fases de infância e tentassem reproduzir as mesmas posturas ali retratadas em novas imagens. Desse modo, a artista provocou a comparação que fazia transparecer a irreversibilidade temporal e a sensação de perda. A obra de Ricardo Mauricio, “A Firma”, permitiu a participação do visitante no registro fotográfico somente se o mesmo estivesse vestido de calça preta e camisa branca. Assim, somente ‘adequadamente vestido’, era realizado o registro junto com o artista no espaço expositivo afirmando a junção artista/visitante. Deste modo, o arquivo de registros perfomáticos esteve em processo de crescimento durante a exposição. A obra da Polliana Dalla - “O mar é nosso por direito, recuperá-lo é nosso dever”- também operava a questão de arquivo através da disputa territorial de um pedaço de mar entre o Chile e a Bolívia. O depoimento de Polliana acaba tendo uma dimensão performativa pautada na sua própria perda; no caso, uma máquina fotográfica extraviada durante sua expedição.
Outra possibilidade de ‘performance latente’ se manifestou em ações do visitante que construia a obra ao longo do tempo da exposição. Dessa forma, intensificou-se o tempo duracional da performance através de uma obra que ganhou visibilidade durante um processo temporal especifico. Destacou-se nesse contexto, a obra do Grupo Poro, “Arranque a etiqueta da sua roupa”, que permitia o acúmulo de etiquetas cortadas das vestimentas dos visitantes. Por fim, Laércio Redondo ofereceu a frase que dá titulo a obra “Preciso de você”, que acabou por tornar-se uma armadilha somente revelada ao longo da exposição. Laércio Redondo apropria-se dos visitantes como elementos de impureza no espaço expositivo que se tornaram instrumentalizados para construir o trabalho. Ao mesmo tempo em que se apresenta como uma fala íntima relacional, o trabalho é ativador de uma ação cumulativa e autorreflexiva sobre o processo de construção social e coletiva de uma obra de arte.